A reportagem, cujos dados que a fundamentam foram recolhidos nos últimos meses, demonstrará uma realidade à qual todos fecham os olhos, as autoridades, os poderes políticos, policiais e judiciais.
Retrata a vida vergonhosa de escravidão porque passam muitos dos imigrantes que escolheram a nossa região para fazer aquilo que nós não queremos…
Trabalham de Sol a Sol, são escravizados, prostituem-se, e vivem abaixo do limiar da pobreza.
Com o surgimento da COVID – 19 tornaram-se ainda mais escravos de empresários sem escrúpulos.
Há milhares de imigrantes que não saem das herdades onde laboram e onde ganham salários miseráveis…para ler e refletir…
A nossa reportagem, porventura a mais marcante da minha existência enquanto jornalismo, pela emotividade, revolta e vergonha que senti, por ver “in loco”, seres humanos a serem tratados como “carne para canhão”, começou a ser feita há quase quatro meses.
Pelo meio, muitos “nãos” de quem tem “pavor em denunciar”, muitas verdades sonegadas e muita complacência de quem deveria ter “vergonha da sua própria sombra” por explorar de forma escrava e animalesca seres humanos como nós que apenas querem, legitimamente, uma vida diga como todos merecemos.
A verdade nua e crua não é essa.
Vamos aos factos e aos passos que demos, muitos deles com o coração nas mãos e de alma partida…

Os epicentros deste fenómeno, que na última década fez crescer exponencialmente a criminalidade associada ao tráfico de pessoas, disparou no Alentejo depois da implantação do olival intensivo e da necessidade de mão-de-obra, realidade associada a Alqueva, e estendeu-se ao Litoral Alentejano, concelho de Odemira em particular, onde as culturas de regadios adquiriram uma expressividade impressionante.
São nestes dois palcos da nossa Pátria que o medo, a vergonha e a falta de escrúpulos grassa.

Nos últimos 70 anos, o distrito de Beja, onde se situa o grosso da área regada pela grande barragem, perdeu sensivelmente metade da sua população, numa curva demográfica negativa que parece estar a estancar devido ao fluxo de trabalhadores estrangeiros indiferenciados que hoje acorre aos campos do Sul.

Onde a criminalidade associada ao tráfico de seres humanos disparou na devida proporção do recente fenómeno migratório.

Os concelhos de Beja, Ferreira do Alentejo, Aljustrel e Moura são as outras faces onde essa desumanidade impera.

Os dados que nos foram fornecidos desnudam os rostos do sofrimento. Imigraram do Senegal, da Guiné-Conacri, do Paquistão, da Índia, do Nepal, Bangladesh, Roménia, Moldávia e Brasil e Bulgária. Tudo Mão-de-obra barata.

Portugal é dos poucos países europeus onde se podem legalizar. E, é em Beja, onde ninguém quer trabalhar na agricultura, que todos os dias chegam novos rostos.
As últimas estimativas (dados concretos não os há) apontam para a existência de 28 mil imigrantes a residir no distrito, só no concelho de Beja são cerca de 10 mil.

Mão-de-obra barata, trabalhadores em situação ilegal, ganham menos do que um salário mínimo, vivem em condições precárias e não recebem benefícios sociais. Autoridades de Portugal negligenciam problema.

Como chegaram os imigrantes ao nosso país…

Um pouco por todo o país, grupos criminosos vindos do Leste semearam a cultura de terror e subjugação. As autoridades portuguesas dizem que as técnicas e as motivações destas organizações “são inspiradas na máfia italiana”.

O fenómeno não tem paralelo na Europa. Contudo, o fenómeno das máfias de Leste perdeu efeti-vidade à medida que os imigrantes se familiarizaram com o país e, fruto disso, conseguiram fugir “as garras” destes mafiosos que lucraram milhões de euros extorquidos a quem desesperadamen-te pretendia vir trabalhar nos Campos Do Sul à procura do seu EL Dorado.

Hoje, quem vem para Portugal, para o Alentejo, vem por intermédio de amigos ou familiares que já cá estão há anos. O fenómeno das máfias não se diluiu mas não é nada comparável ao que vivenciamos e investigámos na última década, sobretudo” confidencia-nos uma das nossas fontes e colaborador nesta investigação.

Imigrantes explorados de forme infame…

“Há trabalhadores imigrantes que vivem em condições deploráveis no Alentejo, uma situação de verdadeiro “trabalho escravo” que é “uma vergonha” para o país. A denúncia é feita por um autarca em plena campanha da apanha da azeitona.
Este foi o primeiro grito de alerta, revolta e denúncia que ecoou no Alentejo e no País.
Foi o então presidente da Câmara da Vidigueira (Beja), Manuel Narra, que denunciou, através do jornal Público, que “há imigrantes estrangeiros que trabalham na apanha da azeitona e noutras colheitas sazonais, na zona do Alqueva, que vivem em espaços sobrelotados e sem as mínimas condições sanitárias”.

Manuel Narra descreveu na altura “que há, entre 80 e 100 pessoas, a viverem “dentro de uma oficina” e “outras 30 pessoas dentro de um apartamento, com homens e mulheres misturados, dispondo apenas de um chuveiro e de uma sanita”.

“É uma vergonha para o Alentejo e para Portugal a forma como continuamos a receber os trabalhadores imigrantes vindos de países pobres”, lamentou Manuel Narra ao Público. Depois deste grito de revolta o que mudou….
Por trás das situações de exploração laboral nos distritos de Portalegre e de Beja estão “grupos itinerantes de criminosos, compostos por elementos do Leste europeu mas tam-bém da Índia” que se concentram nesta altura do ano no Alentejo, devido às colheitas sazonais.

São grupos que se dedicam ao tráfico de seres humanos e ao furto de azeitona e pinha em larga escala, porque são produtos valiosos no mercado. Aparentemente, os dois cri-mes (tráfico e furto) andam relacionados. Andamos a sinalizar situações de tráfico de pessoas na operação “Campo Seguro” desde há três anos” sublinhou o major Paulo Poiares ao Jornal Público.

Na região rural do Alentejo nada funcionaria sem o trabalho dos migrantes em situação ilegal. Por um lado, os portugueses não querem mais fazer o trabalho duro nas planta-ções por salários baixos. Por outro, novas empresas não param de surgir no país.

Nos arredores do Lago Alqueva, espanhóis com grande poder financeiro estabeleceram vastas plantações de oliveiras. A maioria dos trabalhadores desses campos está em situação ilegal.

Na região de Beja, são cerca de 10 mil pessoas, muitas delas a viverem em condições desumanas, ganham em média quinhentos euros, cem dos quais são para pagar as habitações, uma fatia do magro salário é para alimentação e o que sobra, quando sobra, é para enviarem para os seus países.

Não espanta, pois, que face a esta desumanidade a criminalidade e o tráfico humano tenha crescido exponencialmente.
Ao longo deste trajeto penoso, vil e desumano, uma voz se ergueu sempre em defesa da dignidade dos imigrantes, a Associação Solidariedade Imigrante delegação de Beja (Solim).

Solidariedade Imigrante denuncia “Escravatura no Alentejo”…

O presidente da Associação Solidariedade Imigrante delegação de Beja afirma que é “fundamental que exista legislação a nível nacional que dê resposta à situação problemática destas pessoas que vivem em Portugal sem condições mínimas de habitabilidade, pois os migrantes estão a ser explorados de forma vergonhosa por senhorios sem escrúpulos”.

Alberto Matos denuncia que “há casos de dezenas de imigrantes a viverem numa única casa superlotada”, dando como exemplo um caso registado no concelho de Serpa de um grupo de “44 imigrantes que viviam numa só casa, onde, com muito boa vontade, podiam viver dez pessoas” lamentou o dirigente, referindo “que neste momento, em várias casas na freguesia de Baleizão, “passa-se fome”.
“Trabalhadores emigrantes que fizeram a campanha da azeitona, trabalhando e dando lucros aos donos da terra, que os exploraram miseravelmente, foram deixados ao abandono”.

“Nós encontrámos, na semana passada, pessoas com fome. Um dos estabelecimentos que vende alimentação dizia que [os trabalhadores emigrantes] durante o período normal ainda fazem compras, mas nos últimos dias só compravam uma couve, de vez em quando, uma cenoura ou uma batata”, salienta o coordenador do Bloco de Esquerda.

Para Alberto Matos a situação “miserável” em que se encontram faz lembrar “o pior do pior do tempo da fome negra, do fascismo, que levou os trabalhadores à luta. Esta escravidão ainda acontece não só em Baleizão, mas em muitas aldeias dos concelhos de Beja, Serpa, Ferreira do Alentejo e Aljustrel”

Autoridades não têm meios para gerir este fenómeno migratório…

A principal pergunta que se pretende responder é “Qual a prevalência em Portugal do crime associado às “máfias de leste”?”.
No entanto é convicção de que para conseguir responder a esta pergunta é necessário formular um conjunto de questões intermédias. Estas questões ajudarão a encontrar a resposta para aquela pergunta inicial.
Com o decorrer do trabalho tentar-se-á responder às seguintes questões:
• Quais os motivos da recente vaga de imigração para Portugal?
• Como chegam estes imigrantes a Portugal, como vêm e que rotas usam?
• Qual o perfil tipo, do imigrante de leste em Portugal?
• O que é a máfia e a criminalidade organizada?
• Haverá alguma relação entre o tipo de crime praticado e a proveniência do recluso? • Quais os crimes pelos quais estão presos os estrangeiros do leste em Portugal?
• Qual a relação entre estes crimes e a possível atividade mafiosa?
São estas as perguntas às quais as nossas autoridades não têm sabido dar resposta fundamentalmente por falta de meios.

“O fenómeno dos migrantes tem uma dimensão tal, é de uma complexidade tal, porque eles próprios ocultam a verdade, que não temos capacidade operacional para estancar uma realidade desta dimensão” é-nos afirmado por quem, há anos, trabalha nesta área e sente a manifesta “impotência em darmos respostas a tantas questões que nós sabemos previamente as respostas, mas sem a colaboração dos imigrantes é impossível provarmos o quer que seja” explicou-nos.

O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF); a ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho), a GNR – Guarda Nacional Republicana e as estruturas politicas locais sabem o que se passa no terreno.
“Não creio que fechem os olhos por incúria, o terreno da investigação e pantanoso e muito sinuoso. Mas não basta alegar falta de meios” lamenta um dos meus colaboradores nesta reportagem, indignando-se por “em pleno século XXI, a escravatura merecia outro tratamento da nossa parte. As verdades, vergonhosas estão à vista de todos, só não vê quem não quer…” lamenta.

Máfia de Leste força mulheres a prostituírem-se

Estão organizados em rede e dedicam-se, em várias zonas do Alentejo e do Oeste, à exploração laboral e sexual de largas dezenas de compatriotas – provenientes do Leste europeu. Forçam homens ao trabalho agrícola não remunerado, em condições desumanas; e as mulheres à prática de prostituição.

Trata-se de uma máfia que esta terça-feira foi desfeita numa operação da Unidade de Contraterrorismo da Judiciária. Há 18 detidos: 13 homens e cinco mulheres, entre os 20 e os 63 anos. A PJ identificou mais de 100 vítimas.

A operação, com 28 buscas, incidiu na zona de Torres Vedras e nos concelhos de Beja, Serpa e Odemira, onde ocorreram as detenções, por crimes graves como tráfico de pessoas, extorsão, lenocínio, falsificação de documentos e associação criminosa.

Os detidos deverão ser esta quarta-feira presentes ao Tribunal de Sintra, a comarca onde nasceu a investigação da PJ.

Em causa, como noutras situações que têm sido detetadas sobretudo no Alentejo, está a exploração de mão de obra em campos agrícolas – com homens e mulheres a serem sujeitos, sob tortura, a longas horas de trabalho diário sem direito a remuneração ou refeições. Os imigrantes são mantidos em cativeiro.

No caso das mulheres, são colocadas em casas de alterne e forçadas a prostituírem-se, com os proveitos do negócio de exploração sexual a reverterem exclusivamente para os elementos da rede que as mantém sob coação física e psicológica.
Noticia – Correio da Manhã
António Lúcio e Henrique Machado 18 de Novembro de 2015

Recuperamos esta reportagem por ela ser o rastilho de uma realidade que ganhou novo rosto à medida que os imigrantes se foram libertando das teias da máfia.

De prostituição imposta, muitas mulheres decidiram optar por este modelo de vida, de livre e espontânea vontade, trocando o trabalho árduo e mal pago nos campos do Sul por esta que é, reza a história, a mais antiga forma profissão do mundo.

“Na prostituição ganhamos uma pequena fortuna que nos fará regressar mais cedo aos nossos países…”

É fenómeno inquietante e que tem ganho expressão na última década. Depois de numa primeira fase terem sido obrigadas a prostituir-se em casas de alterne, onde os lucros da venda dos corpos eram para quem as “controlava” o cenário ganhou novos contornos à medida que os migrantes se foram libertando dessas máfias.

Hoje, segundo dados que nos facultaram, são inúmeras as mulheres que optaram por esta forma de vida.

O modo de atuar é fácil. Criam páginas na Internet, utilizando as redes sociais, onde “facilmente cativam clientes”.

Contrariamente ao que possa imaginar-se, fazem-se sem grandes ocultações, e com o consentimento dos maridos que trabalham nos campos árduos do Alentejo.

“Sim, as mulheres asiáticas, as africanas e dos países de leste têm uma abordagem diferente da sexualidade conjugal. Não há a pseudo-monogamia dos europeus do Sul” revela-nos quem está a coordenar e estudar este fenómeno.

“Os maridos sabem, consentem e apoiam. Essas mulheres chegam a ganhar num dia o que os maridos ganham em três ou quatro meses” e tem um objetivo claro, “angariar o mais rapidamente possível o dinheiro que lhes possibilite regressar aos seus países com uma condição económica invejável”.

“Não temos vergonha do que fazemos, nem prazer. É apenas um método para que consigamos o mais depressa possível sairmos deste inferno onde viemos parar” relatou uma das mulheres recentemente investigada.

“Não há nada de ilegal, nem imoral. Somos livres e preferimos este tipo de vida a levantarmo-nos às cinco da manha para irmos para o campo apanhar azeitonas, onde nem o ordenado nos pagam” relata outra mulher, cuja pagina no Facebook e identificativa da atividade que exerce.

Segundo dados, os últimos que foram referenciados, há cerca de 1500 mulheres a fazerem da prostituição a sua atividade profissional. Pagam impostos e estão a contar os dias e os clientes para fugirem dessa vida, que ainda assim, é muito menos penosa que aquela que faziam quando para cá vieram, e com a particularidade de que “todo o dinheiro que angariamos é nosso não vai para rede de mafiosos como acontecia anteriormente”.

“Temos casamentos sólidos, fazemos isso de mútuo acordo com os nossos maridos e não temos que dar explicações a ninguém” remata sem rodeios uma das testemunhas desta novo forma de viver de algumas imigrantes.

Há casos felizes de gente que veio trabalhar para a nossa região…

No meio deste pântano de desumanidade há casos felizes de gente que encontrou no nosso país e na nossa região o que sempre desejaram. São muitos, felizmente, os migrantes que encontram estabilidade profissional, que se sentem felizes por terem optado por Portugal.

O casal que nos foi apresentado, no concelho de Odemira, é apenas um dos bons exemplos de quem, com trabalho e muito sacrifício, consegui uma vida digna.

Na listagem destes casos felizes há um denominador comum, o facto de terem vindo trabalhar para “para pessoas decentes, que sempre nos respeitaram e pagaram, muitas vezes pagam-nos mais do que combinámos por perceberem que somos bons profissionais” revela este casal que trabalha no concelho de Odemira e reside em São Teotónio.

“Temos o nosso filho mais velho na Universidade e o mais novo vai à escola, não é descriminado, apesar da cor da pele. Não nos pudemos queixar. Sabemos que muitos imigrantes são tratados como se fossem uns selvagens, nós não, só temos que dizer bem do nosso patrão e da aposta que fizemos em vir para Portugal. É muito duro trabalhar no campo, mas ganhamos mais num ano aqui do que em dez no nosso país” constatam.

Estre casal já adquiriu uma casa em São Teotónio “onde somos muito felizes. Adoramos o clima, a praia. O que estranhamos no início foi a alimentação. Mas agora já estamos habituados, não sei se comemos mais comida do vosso país se do nosso. Gostaríamos que todos os imigrantes pudessem dizer isso mas não pudemos dizê-lo porque sei que sofrem muito. Não compreendo como é que desaparecem vários imigrantes sem deixar rasto. Nunca ouvi falar em suicídio ou homicídio no Alentejo. É estranho, não é?” questiona-me o paquistanês, confrontando-me com o facto de “já terem sido encontrados imigrantes enforcados, e é sempre suicídio, tenho dúvidas que assim seja, mas quem sou eu para me meter nesses assuntos, agora que é estranho é” conclui.
De facto, digo eu, é estranho que não seja manchete nos Órgãos de Comunicação Social o número de suicídios de imigrantes no Baixo Alentejo…que investigue quem tem que investigar, nós deixamos o repto….

Para culminarmos este trabalho, publicamos a última entrevista que Alberto Matos, presidente da delegação de Beja da Solim – Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes deu ao Diário do Alentejo. É uma entrevista recente, onde a realidade que aqui vos expusemos é reiterada por quem sabem tanto ou mais do que aquilo que reportamos neste trabalho jornalístico.
Agradecemos a quem, nos facultou dados preciosíssimos que nos possibilitou apresentar-vos a reportagem que puderam ler. Enquanto ser humano, jornalista e Baixo Alentejano sinto vergonha pela forma como gente sem escrúpulos está a dizimar a vida e os sonhos de milhares de pessoas que apenas querem ser felizes como todos nós…

“Há imigrantes a passar fome no Baixo Alentejo”

Entrevista com Alberto Matos, presidente da delegação de Beja da Solim – Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes

Texto Luís Miguel Ricardo

Os últimos números conhecidos apontam para a existência de mais de dez mil imigrantes registados no Baixo Alentejo. Mas o número de “ilegais” será muito maior. Em entrevista ao “Diário do Alentejo”, o presidente da delegação de Beja da Solim – Associação para a Defesa dos Direitos dos Imigrantes, diz que alguns “permanecem confinados em montes, praticamente sequestrados por engajadores sem escrúpulos, sem contratos, sem descontos para a Segurança Social e, por vezes, quase sem salários”.

Qual a proveniência destes imigrantes?
Cerca de 50 por cento destes imigrantes são de origem asiática: Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh ou Tailândia. Há também uma fortíssima presença de imigrantes oriundos da África Ocidental, de países como o Senegal, a Guiné-Bissau, a Serra Leoa ou a Nigéria e que no concelho de Beja será mesmo maioritária, até porque alguns trabalham na construção civil. Atividade onde encontramos também imigrantes de Cabo Verde, Angola e Moçambique. Do norte de África também os há, mas em menor número, oriundos de países como Marrocos, Argélia ou Tunísia. Temos ainda um número significativo de imigrantes do leste europeu: Ucrânia, Roménia e Moldávia.

Sabe-se de que forma chegam ao Alentejo?
Do leste europeu, que constituiu a grande vaga de imigração na primeira década do século XXI, continuam a chegar por via terrestre, em carrinhas ou de autocarros. Entre os meses de outubro a março chegam a Beja, semanalmente, em autocarros de matrícula moldava, regressando ao seu país ao fim de um ou dois meses por não aguentarem as condições duríssimas de trabalho e de habitação. Os oriundos dos países asiáticos chegam à Europa por via aérea, às vezes chamados por amigos ou familiares que os acolhem

E de África?
A grande epopeia é mesmo a africana, sobretudo no caso das pessoas oriundos da África Ocidental. Como os vistos para entrar legalmente no espaço Schengen são caros e morosos, arriscam a morte (em média 25 por cento perde a vida) atravessando o deserto e o Mediterrâneo: do Senegal para as Canárias, de Marrocos para o sul de Espanha, da Líbia para Itália. Há quem salte os muros de Ceuta e Melilla e quem escave túneis para chegar a solo europeu. São verdadeiros sobreviventes: muitos tentaram esta rota por duas ou três vezes, pelo caminho foram feitos escravos ou prisioneiros, mas não desistiram. Preferem enfrentar a morte de olhos abertos do que encarar a família ou a aldeia… venderam terras e gados para investir tudo nesta viagem rumo ao sonho europeu.

Presumo que ao domínio da língua seja, desde logo, uma grande barreira à sua integração.
Grande parte dos imigrantes, além das línguas maternas, fala inglês ou francês. A aprendizagem do português é fundamental e por isso temos encaminhado muitos associados para a Escola Secundária D. Manuel I que tem, anualmente, cursos de língua portuguesa com dezenas de imigrantes. Na nossa sede têm funcionado, informalmente, aulas de língua materna (ucraniano e russo) para filhos de imigrantes.

Têm alguma escolaridade?
A maioria terá frequência do ensino básico, uma parte significativa tem o ensino secundário e, sobretudo entre os asiáticos, encontramos graus de licenciatura e mestrado. Apesar disso estavam desempregados nos países de origem.

Que tipo de trabalho encontram?
A esmagadora maioria trabalha em campanhas agrícolas sazonais. No olival intensivo e superintensivo, com apanha de azeitona de outubro a fevereiro, podendo prolongar-se com a plantação de novas áreas de regadio. Trabalham também no amendoal, nas framboesas, morangos e outros frutos vermelhos, sobretudo em regime de estufas e no concelho de Odemira, na apanha do melão e nas vindimas. Na construção civil também trabalham imigrantes do Brasil, mas estes têm uma presença maioritária na hotelaria, com destaque para as mulheres, sendo este o setor que mais se ressentiu no período de confinamento e que mais sofre os efeitos do desemprego, até porque a maioria destes postos de trabalho são extremamente precários.

E que tipo de condições encontram?
Alguns permanecem confinados em montes, praticamente sequestrados por engajadores sem escrúpulos, sem contratos, sem descontos para a Segurança Social e, por vezes, quase sem salários, pois tudo lhes é descontado: desde os transportes em carrinhas superlotadas até ao alojamento em casas miseráveis. Raros são os agricultores que empregam e alojam diretamente estes trabalhadores. A esmagadora maioria é contratada por empresas de trabalho temporário ou prestadoras de serviços constituídas na hora, em Portugal ou em qualquer parte do mundo, e que podem desaparecer sem deixar rasto.

A precariedade é enorme?
Sim, estas empresas alugam mão-de-obra ao dia, à hora ou à tarefa – daí a extrema precaridade – e alojam estes trabalhadores em contentores ou em casas sobrelotadas. Há casos de 15 ou 20 pessoas por divisão, em que as empresas cobram entre 50 a 140 euros por cabeça. Neste negócio, entre o que cobram aos imigrantes e renda que pagam ao senhorio, há margens de lucro de 200 a 300 por cento. No fim da campanha, há quem não pague a renda nem os salários do último mês. Conhecemos casos de imigrantes abandonados e a passar fome em aldeias dos concelhos de Serpa, Beja, Ferreira do Alentejo e Aljustrel. A crise da covid-19 e alguma retração na atividade agrícola atrasaram a deslocação destes grupos de trabalhadores sazonais para o Algarve, para a zona de Odemira ou para o Ribatejo, no final da campanha da azeitona.

De que forma a pandemia agravou os problemas?
Devido às más condições e ao grande número de pessoas a morar em espaços diminutos, estes imigrantes são, naturalmente, um grupo de risco. No sul do País, em Tavira, registaram-se casos de contaminação com covid-19 num grupo de cerca de 20 imigrantes que partiu de Serpa no princípio de março. Em Odemira, obrigaram algumas dezenas de pessoas a permanecer de quarentena no pavilhão da Escola de São Teotónio. As autoridades de saúde e os seus profissionais estão atentos, mas os meios de que dispõem, incluindo testes, são diminutos.

Obrigado a quem nos ajudou na elaboração desta reportagem, e a quem nos apoiou na parte logística.