Desde a década de 80 até à década de 2000, na Europa mediterrânica, a área ardida diminuiu. Em Portugal, aconteceu o contrário
A cada verão mais quente vemos um inferno formar-se nas florestas do país, situação que se agravou nas últimas três décadas.

Há na floresta portuguesa vários contínuos de combustível em elevada quantidade que, combinados com as condições climáticas naturais de elevadas temperaturas, baixa humidade e vento e a total incapacidade de coordenação (ou má coordenação) no combate aos fogos reproduz, ano após ano, a tragédia social, pública e ambiental dos incêndios florestais.
Ao contrário do que ocorreu em Portugal desde a década de 80 até à década de 2000, na Europa mediterrânica a área ardida diminuiu. Em Espanha aumentaram as ignições, mas a área ardida caiu para metade. Na Grécia e em Itália caíram as ignições e a área ardida foi metade. Em França caíram as ignições e a área ardida reduziu-se para menos de um quarto. Em Portugal, se na década de 1980 o número médio anual de ignições era de 7380, na década de 2000 saltou para 24949. Se na década de 1980 área ardida média anual era de 73484 hectares (ha), na década de 2000 essa média era de 150000 hectares (em 2013, 130 mil ha). A situação está a piorar, e não o contrário. Estamos a pôr Portugal a arder. Incapazes de intervir sobre a temperatura, a humidade ou o vento, resta-nos atuar sobre as outras condições que levam aos incêndios: a composição florestal, o ordenamento, a estrutura fundiária e a ação dos bombeiros.
Poder-se-ia alegar que os incêndios são apenas naturais, e muitos alegá-lo-ão, mas ao contrário do que seria de esperar se isso fosse verdade, os incêndios não ocorrem especialmente em zonas de maior temperatura e secura como no Alentejo. A existência de um contínuo de combustível florestal em elevada quantidade é o resultado de um mau ordenamento e da má, ou mesmo inexistente, gestão florestal. Os fogos coincidem principalmente com a distribuição do pinhal e do eucaliptal, plantações com elevado grau de combustibilidade, em especial quando mal geridas. E são, na sua maioria, muito mal geridas.

As áreas dos incêndios coincidem com as zonas de menor rendimento das explorações e de menor rendimento do trabalho. São zonas de solos de menor qualidade e de explorações de pequena dimensão. As explorações agrícolas e florestais de pequena dimensão são muito dificilmente sustentáveis económica e socialmente, inviabilizando ainda um ordenamento e uma gestão minimamente aceitável. Nos últimos dez anos ardeu em média a mesma área de povoamentos (floresta plantada) e de matos (incluindo zonas agrícolas – olivais, vinhas, lameiros). Tal confirma apenas a inexistência de gestão na maioria dos povoamentos florestais, pois os povoamentos ordenados e bem geridos ardem muito menos.

O eucaliptal nacional, com os seus atuais 812 mil hectares oficiais, tinha em 2006 aproximadamente 80 mil hectares de povoamentos jovens. Dos restantes, 93 mil eram explorações mistas com pinheiro-bravo, 70 mil tinham um coberto inferior a 50 por cento, 100 mil apresentavam mais de 12 anos (idade de corte) e 400 mil hectares tinham uma densidade inferior à considerada ideal pela indústria. Todos estes indicadores, exceto os povoamentos jovens, indicam má gestão e aumentam significativamente o risco de incêndios. Para cúmulo, 90 mil hectares estão plantados em Rede Natura 2000, área protegida.

Mais de 82% das propriedades florestais do país têm dimensão inferior a 2 ha e apenas as grandes explorações do Sul e das celuloses aplicam uma gestão e um ordenamento que possibilite o combate e a prevenção.