Rui Rio está a preparar o futuro do PSD obtendo mais apoio de abstencionistas que vejam nele diferença. Não estará a planear ganhar, mas sim agitar internamente para cimentar a sua posição enquanto opositor da esquerda
Será que existe algo em comum entre a estratégia utilizada pelo governante romano César (divide et impera) e a estratégia de Filipe ii da Macedónia ou a que Aulo Gabínio utilizou quando dividiu em cinco as convenções da nação judaica, ou tantas outras “artimanhas” de divisão de forças, militares e políticas, que aprendemos na história e onde sempre, mas sempre, os governantes e comandantes que as têm utilizado o fazem para conquistar, para romper com estruturas de poder existentes ou até mesmo para não permitir que pequenos grupos tomem posições conjuntas e cheguem ao poder? Têm tudo em comum, pois todos estes ambicionavam o poder, manter ou conquistar. Mas que tem isto a ver com o PSD atual?
O que se passa no PSD é precisamente uma destas técnicas de divisão, mas diferenciada pelo facto de ser uma contradição do que seria expetável. Numa perspetiva de consenso político, e sob a velha máxima de que a união faz a força, o que Rui Rio está a fazer no PSD é o que se deve fazer para fomentar a divisão dos outros, não dos nossos. Mas o que sobressai, o lógico, parece ser uma intenção determinada deste político de dividir um partido que poderia enfrentar a geringonça e que, assim, se está a esfrangalhar internamente.
Uma das explicações que poderemos avançar, a um nível simples mas politicamente correto, será aceitar que Rui Rio está a conseguir muitos pontos positivos que poderá usar no futuro. Entre eles, a) acerta contas com quem estava contra a sua gestão; b) fortalece a sua posição interna, mesmo que esta não seja suficiente para ganhar eleitorado de fora; c) vitimiza-se ao afastar aqueles que possam vir a ser seus opositores na sucessão, que pode ser breve, e que no momento exercem papéis de comentadores com evidente oportunidade de comentar, de criticar, de brilhar aos olhos do eleitorado; d) mantém a sua agenda de imagem do homem do Norte que luta contra o sistema da capital e impõe o seu próprio ritmo; e) cria uma imagem de idoneidade com os dinheiros públicos quando até coloca em tribunal aqueles que, ao nível autárquico, gastaram um pouco mais na luta para manter e ganhar câmaras, tal como é exigido pelos órgãos nacionais do partido; e f) mais importante ainda, é falado diariamente e assim obtém direito ao mesmo tempo de antena de outros possíveis candidatos, eventualmente comentadores de TV.
Mesmo assim, torna-se difícil perceber porque está um líder a deteriorar a imagem do seu próprio partido junto do eleitorado. Se verificarmos o panorama nacional, onde o trabalho de união da esquerda, vulgo geringonça, tem sido notório e permitiu governar um país que estava economicamente e socialmente destroçado, talvez constatemos que esta oposição do líder aos seus seguidores só pode mesmo ser tática para esfrangalhar um partido que precisa de fugir mais às suas ideologias de base e de se adaptar à nova realidade social. Se assim for, na minha opinião, Rui Rio ainda consegue obter algo mais importante e subtil, ou seja, colabora para o esfrangalhamento do partido, permitindo eventualmente que a tormenta abane os mais frágeis e que consiga depois cimentar a sua própria gestão. No futuro, pode conseguir fazer alianças dentro das ideologias mais próximas, tais como o CDS, ou até mesmo com outros partidos que agora parece irem surgir, no seguimento desta turbulência interna, e que depois serão criticados caso não se alinhem para combater a esquerda.
Por outro lado, se olharmos para o trabalho da esquerda, para os resultados e para o facto de que as eleições de 2019 deverão estar ganhas pela esquerda, seja com esta geringonça atual ou com o PS sozinho, esta estratégia de Rui Rio permite ainda “passar a bola” de uma eventual derrota do PSD nas eleições que se seguem. Será mais fácil para o líder acusar quem saiu do partido, quem o criticou ao longo do percurso ou até quem se mostrou contra o líder. Sendo assim, Rui Rio está a preparar o futuro do PSD obtendo mais apoio de abstencionistas que vejam nele diferença. Não estará a planear ganhar, mas sim agitar internamente para cimentar a sua posição enquanto opositor da esquerda e para ir conquistando agora o eleitorado para o futuro. E, caso a direita não colabore, serão imputadas a essa direita, aos dissidentes, eventuais perdas eleitorais, e o homem que “termina sempre os seus compromissos” vai sair de um PSD esfrangalhado mas que só não conquistou o eleitorado porque os Marques Mendes e os Santana Lopes deste país não souberam abdicar da ideologia política por que lutaram tantos anos.
Nesta perspetiva, foram estes que ajudaram a dividir este PSD, e não o seu líder. O atual líder sai sempre vencedor ao nível interno, não ganha porque lhe faltaram as bases de apoio ou porque não se uniram, tal como fez a esquerda, e o partido pode vir a ter sucesso no futuro, mas está esfrangalhado no presente. E teremos assim mais um líder para gritar alto que as eleições não são importantes e que o que interessa é Portugal, mas irá, como é seu dever, lutar para que as eleições justifiquem a sua continuidade. Por cá, pelo mundo rural do nosso território nacional, isto é confuso, difícil de entender, mas já escrevia Paulo Coelho: “Algum dia, tudo fará sentido. Enquanto isso, ria da confusão, chore pouco e entenda que tudo acontece por alguma razão.”
Presidente da Câmara de Almodôvar, António Bota
Artigo de Opinião Publicado no Jornal i