A columbofilia é a arte de criar pombos-correio para competição e tornou-se modalidade na Bélgica em 1820.

No mês passado, Portugal conquistou uma medalha de ouro na 36.ª Olimpíada Columbófila e o SAPO Desporto foi conhecer um pouco sobre esta paixão de forte tradição no nosso país.

Voam quilómetros num só dia com o instinto de regressar a ‘casa’ e têm um GPS biológico alinhado com o campo electromagnético do planeta que lhes permite um sentido de orientação único. Criam uma relação única com quem lhes dá comida e abrigo, e durante milénios foram instrumentos decisivos nos campos de batalha ao transportar mensagens importantes.

De Ramsés III ao Rei Salomão, passando por Gengis Kahn ou à forças armadas do século XX, os pombos-correio influenciaram o rumo de vários conflitos armados ao longo da história e nos últimos séculos tornaram-se ‘atletas de alta competição’ podendo voar até mil quilómetros num só dia.

Ao contrário do que se pensa, os pombos-correio não levam mensagens espontaneamente de um determinado destino para o outro. Em vez disso, os pombos-correios são transportados do seu pombal até um certo ponto de partida, de onde têm depois de regressar a casa. As provas começam no início do ano e são divididas em três categorias diferentes de acordo com as distâncias percorridas: velocidade (200-300 km), meio-fundo (300- 500 km) e fundo (500-800 km).

O instinto deles é voar em bando, mas depois ninguém espera por ninguém
O instinto natural dos pombos pode ser aperfeiçado para alcançar bons resultados desportivos
“O pombo tem o instinto natural de voar em bando, eles quando saem para vir para casa não sabem se estão perto se estão longe, voam ao ritmo em que se sentem confortáveis, ao ritmo a que estão habituados, e depois quem aguentar mais tempo naquele ritmo continua, e depois os que não aguentam vão ficando para trás. O instinto deles é voar em bando, mas depois ninguém espera por ninguém.

Quem não estiver bem preparado ou não for tão bom fica para trás. É uma espécie de seleção natural nos ares”, começa por dizer Paulo Domingos, Presidente do Conselho Desportivo da Associação Columbófila do Distrito de Lisboa, antes de explicar que tipos de competições existem atualmente.

“Quanto mais pequeno for o coeficiente melhor a classificação, porque é sinal que o pombo marcou melhor e que entram mais pombos. Com mais pombos a dificuldade é maior. Ao nível das categorias, Portugal brilhou no Mundial na categoria de velocidade onde são contabilizadas as 10 melhores provas em dois anos, e foi aí que uma pomba portuguesa foi a melhor do mundo”, acrescentou Paulo Domingos.

Contra os adversários, voar, voar!
No passado mês de janeiro, Portugal conquistou uma medalha de ouro nas Olimpíadas de Columbofilia na cidade de Poznan, na Polónia. A pomba vencedora na categoria de velocidade é treinada em Mafra por Mauro Aniceto e chama-se ‘Portuguesa’. O animal tem quatro anos e venceu a competição na categoria de velocidade depois de 10 provas de distâncias entre 100 e 400 km. Em entrevista ao SAPO Desporto, Mauro Aniceto explica como preparou a ‘Portuguesa’ para a vitória nas Olimpíadas de Columbofilia.

“Acho que em velocidade foi a primeira vez que Portugal ganhou uma medalha nas olimpíadas de columbofilia. Não me recordo de alguém o ter conseguido. Isto é muito difícil, quase impossível”, começa por dizer Mauro Aniceto.
“Basicamente, um columbófilo é um treinador que tem o seu grupo de atletas. Os meus atletas são os pombos. Eu tenho uma equipa de 130 atletas que tenho de preparar da forma que eu acho que é a correta. Durante a semana faço um trabalho de alimentação, desde a água à ração. Há um plano específico para estas classes todas em que trabalho os pombos para uma determinada prova”, acrescentou o treinador da ‘Portuguesa’.

Há pessoas que têm os pombos acasalados, outros que têm os ovos a ‘picar’ para incentivar as fêmeas a regressar mais rápido
As estratégias de um columbófilo
E se ao nível da preparação física dos pombos, os columbófilos têm de ter em atenção a alimentação e a condição de saúde dos animais, já em relação às estratégias para os fazer regressar mais rápido ao pombal, a história é outra, pois a relação entre treinador e animal pode ser determinante.

“Os pombos-correio não basta serem soltos num determinado sítio e virem para casa. Claro que eles fazem isso, mas neste caso estamos a falar de uma competição. Ou seja, o que interessa é eles serem soltos num determinado sítio e chegarem o mais rápido possível. Nós tentamos incentivar os pombos de várias formas possíveis para que quando eles são soltos das caixas tentem vir para casa o mais rápido possível”, explica ainda Mauro Aniceto.

“Os pombos estão todos anilhados. Depois do contacto no dia a dia começamos a conhecê-los. Parece um bocado estranho para quem não conhece isto porque os pombos parecem todos iguais. Estão ali 100 ou 150 pombos, é uma paixão estar todos os dias no pombal, faz com que os vamos conhecendo e isso é importante”, frisa Paulo Domingos.

Já chorei com a morte de um pombo, custa muito
Mais do que um atleta, um pombo-correio é quase da família para um columbófilo “Considero os meus pombos como elementos da minha família. A maior parte dos pombos tratamo-los pelo número porque são muitos. Mas depois há aqueles que nos são mais queridos em que lhes damos nomes. Os meus favoritos agora até são tratados por números. É o 35, o 74, são as duas pombas favoritas. Tenho algumas com nomes de pessoas, mas estas duas são as minhas ‘craques'”, conta Paulo Domingos antes de admitir que já chorou com a morte de um pombo.

“Já chorei com a morte de um pombo, custa muito. Estamos ali muitos dias com eles, anos até, e depois quando se perde um pombo ou quando morre um daqueles em que há uma maior empatia é quase uma morte na família”, acrescenta Paulo Domingos.

O pombal é o local mais importante de um columbófilo
Os pombais são mais do que portos de abrigo onde os columbófilos alimentam os seus ‘atletas’. São também autênticos ‘laboratórios’ onde os ‘treinadores’ recorrem à seleção natural para construir as melhores linhagens para garantir gerações futuras de campeões, especialmente quando morrem os melhores.

“Nós aos melhores pombos começamos logo a tirar os filhos dos filhos, para começar logo a criar uma linha de campeões, e depois vamos introduzindo outras características das nossas provas. Procuramos pombos de famílias já ganhadoras”, afirma Paulo Domingos.

Falo com eles, mesmo quando eles estão a entrar no pombal, vou falando com eles. Isto também para eles não terem receio e não me estranharem.
Portugal a ganhar espaço internacional na columbofilia
Com 33 anos de experiência na área da columbofilia, Paulo Domingos tem visto a evolução da modalidade com expectativa. A recente conquista de Portugal na 36.ª Olimpíada Columbófila na Polónia é sinal de que algo está a ser bem feito apesar da natural aversão dos portugueses aos pombos de rua, ou ‘ratos dos ares’.

“Portugal tem conseguido nos últimos anos evoluir, mas os melhores pombos e o poder económico não está para o lado de Portugal. Atualmente os chineses não dão hipótese neste campo. Os alemães também gastam bem, mas Portugal está a crescer e temos tido bons resultados internacionais”, frisou o columbófilo de 47 anos antes de revelar que Portugal esteve perto de receber as próximas olimpíadas.

• Jornalista – Eduardo Santiago
Notícia – Sapo